Procurador-Gral Julio Conte Grand |
Em um parecer que entrará para a história sobre o tribunal do júri na Argentina e na América Latina, o Procurador-Geral da Suprema Corte de Justiça da província de Buenos Aires (SCJPBA), Julio Conte Grand, deu seu parecer no caso de alto nível do Camping El Durazno.
O brilhante parecer escrito em doze páginas faz com duras críticas à decisão da Câmara III do Tribunal de Cassação, que ele descreve como "arbitrária" e "um desvio flagrante da lei".
"Razão assiste aos recorrentes pois, por um lado, atribui-se à norma adjetiva um alcance dos fatos que ela não tem e, por outro, seguindo a partir disso, infere um raciocínio arbitrário que desqualifica o acórdão recorrido como ato jurisdicional válido", disse o Procurador Conte Grand.
Ao final, exige que o recurso dos advogados de defesa seja acolhido, que o acórdão impugnado seja anulado e que as absolvições decididas pelos jurados sejam confirmadas, uma vez que a parte prejudicada não tem legitimidade para recorrer ante um veredicto de não culpabilidade proferido pelo tribunal do júri.
Tudo o que resta agora é que a SCJPBA profira a sentença.
O parecer da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) é de altíssimo nível e se alinha com um dos pronunciamentos mais memoráveis que nosso Direito produziu em relação à garantia do non bis in idem, tal como foi o parecer do Procurador-Geral da República em 1975 no caso intitulado "María Estela Martínez de Perón Incidente de excepción de cosa juzgada (opuesto en C. n° 3150/75) S.C.C. 548, l. XVII".
Mesmo com juízes técnicos, esta foi a opinião da PGR no período de 1974-1977: "A opinião da doutrina, tanto processual como constitucional, é unânime no sentido de que o chamado efeito material da coisa julgada se baseia no respeito ao indivíduo que já sofreu persecução por parte do Estado contra a repetição do exercício da pretensão punitiva, quando o resultado do primeiro processo tenha sido insatisfatório" (ver Parec er completo PG 1974-77)
O Procurador-Geral considera o acórdão arbitrário por se afastar manifestamente da letra da lei expressa no artigo 371 quater inciso 7 do CPP (que impede que um veredicto de não culpabilidade seja declarado nulo) e da doutrina jurídica da SCJPBA e do próprio Tribunal de Cassação sobre as limitações recursivas da acusação pública e privada no tribunal do júri.
Não apenas isso, mas também derrubou o principal argumento no qual se baseou a polêmica nulidade decretada pelos juízes Violini e Borinsky da Câmara III.
Naquela ocasião, a Câmara III decretou de ofício a "nulidade de ordem pública" do debate porque o juiz de primeira instância, Fabián Riquert, havia supostamente negado à assistente de escuta especializada de intervir na declaração da menor nos debates orais.
A Câmara III considerou que isso havia sido "uma clara violação dos direitos reconhecidos à jovem vítima de contar com a assistência especializada estabelecida nas normativas, além da violação do devido processo o que, necessariamente, leva à nulidade do julgamento" (ver)
O Procurador fez um questionamento especial a essa manobra. Com a simples comparação do vídeo do julgamento, ele argumentou que "a assistente especializada na escuta de menores havia participado do debate e estava presente quando a vítima menor deu seu depoimento".
DOWNLOAD DO PARECER DA PGE TRADUZIDO AO PORTUGUÊS
(aqui)
As defesas recorreram à SCJPBA e obtiveram o apoio maciço em amicus curiae das principais personalidades e organizações jurídicas da Argentina (download do amicus curiae aqui).
A Defensoria Pública da província de Buenos Aires e os juízes do mundialmente famoso Julgamento das Juntas Militares de 1985, León Arslanian, Guillermo Ledesma, Jorge Valerga Aráoz e Ricardo Gil Lavedra, também se juntaram ao amicus curiae e reforçaram o caráter de coisa julgada material dos veredictos de absolutórios do júri (ver).
Juízes Guillermo Ledesma, Ricardo Gil Lavedra, León Arslanian y Jorge Valerga Aráoz |
"A decisão do júri de negar a permissão política para aplicar o poder penal não pode ser modificada por ninguém, e considero que isso não implica uma desigualdade entre as partes do processo, já que as situações entre as partes envolvidas no caso -acusado e vítima- não são equivalentes", disse o Procurador-Geral em uma das passagens mais destacadas de seu parecer.
HISTÓRICO DO CASO
O caso está em fase de análise pela Suprema Corte de Buenos Aires para resolver os recursos que foram apresentados pelas defesas dos três jovens (Lucas Pitman, Tomás Jaime e Juan Cruz Villalba) depois que, no final de 2021, a Câmara III do Tribunal de Cassação, desobedecendo a jurisprudência de seu próprio Tribunal e da Suprema Corte, decidiu anular a absolvição do júri e ordenar a realização de um novo julgamento.
Foi nesse contexto que o Procurador-Geral Julio Conte Grand emitiu seu parecer, no qual afirmou que a Suprema Corte deveria dar provimento aos recursos apresentados pelas defesas, liderada pelos advogados Martín Bernat e Noelia Agüero, anular o acórdão da Cassação e, assim, confirmar a absolvição dos três jovens conforme decidido pelos jurados.
PRINCIPAIS ARGUMENTOS DO PARECER
O principal argumento de Conte Grand foi que as normas que regem os julgamentos populares estabelecem que o assistente de acusação - ou seja, o representante da vítima ou sua família - não tem legitimidade para apelar de um veredicto absolutório proferido pelo tribunal do júri.
"É evidente que a Corte de Cassação se afastou da doutrina jurídica sobre o assunto", ressaltou o procurador-geral em seu parecer.
Trechos importantes do parecer: